sábado, 21 de setembro de 2013

Certas coisas terminam numa encruzilhada

Décio e Ernesto eram inimigos de infância.

Forte e abrutalhado, Décio perseguia o franzino Ernesto desde o ensino primário. Roubava o lanche de sua merendeira, rabiscava seus cadernos, colava chicletes nos cabelos e espetava as magras nádegas do colega com a agulha do compasso, já no ginásio.

Durante o colegial a coisa não mudou. Não era o caso de Ernesto aceitar tudo passivamente. Ele reagia. Tomava uma bela surra, mas reagia. Estava sempre com um olho roxo, um lábio partido, um dente mole. Sem falar nos joelhos e cotovelos sempre esfolados.

Décio, a bem da verdade, não saía incólume. Uma orelha inchada, arranhões no pescoço, e certa vez o nariz quebrado. Nessa oportunidade, Ernesto apanhou dobrado. O pessoal riu do nariz quebrado, o que deixou Décio furioso.

Na juventude, a situação entre os dois continuou ruim. Décio dava em cima das namoradas do Ernesto e infernizava o coitado de todas as maneiras possíveis. Quando chegavam às vias de fato, Ernesto como sempre levava a pior, pois Décio era grandalhão, sardento e mau caráter. Já o Ernesto, estatura mediana, magrelo, com um pomo de adão enorme e uma cara compreensivelmente amuada.

O tempo passou, Décio tornou-se açougueiro, e Ernesto, já órfão, trabalhava com um tio, numa chácara perto da cidade.

Certa tarde, Décio foi tratar da compra de um porco em um sítio próximo, montado num cavalho malhado. Ernesto saíra com a charrete para ir até a cidade comprar ração para galinhas. Os dois se encontraram numa encruzilhada das estradinhas de terra.

Logo de cara, Décio começou com provocações, e tocava o cavalho de forma a bloquear o caminho de Ernesto com a charrete. Ernesto revidou com palavras ríspidas e a eterna cara amuada. Décio se pôs a vociferar ofensas pesadas e pôs a mão no cabo da peixeira.

Ao final do conflito, Ernesto arrancou com a charrete e se foi. Com a mesma cara amuada.

Décio ficou lá na encruzilhada, e permaneceu lá ainda por um longo tempo, até que um garoto que voltava de uma pescaria no Rio Garça encontrou o corpo.

Paulo de Souza Xavier
Bom Jesus do Norte, 07/12/2012.

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