Deixei a fazenda há muito tempo. Mais de 40 anos.
Lembro-me das tardes chuvosas de verão, quando junto com dois amigos, filhos de meeiros de meu tio, saíamos pelas trilhas que o gado faz nos pastos, lavando os pés nas mornas enxurradas, à procura de conchas de caramujos mortos. Encontrávamos algumas bem grandes, como conchas do mar, listradas de marrom e branco, branco e rosa, muito bonitas. Colocadas ao ouvido, podíamos ouvir o mesmo som marinho que se ouve nas conchas do mar. Mas como, se o bicho que habitava a concha, nunca vivera no mar? - Claro que hoje eu sei, que o som de ondas é apenas o sangue pulsando no interior de nossos ouvidos.
E a beleza dos olhos d´água? Quando a chuva persistia por vários dias, eles brotavam nos barrancos das estradas e à beira dos terreiros. As pequenas fontes temporárias eram uma sublime visão.
Lembro-me também das noites quentes e de luar, quando nos sentávamos no alpendre, contando lorotas sobre assombração e ouvindo o canto do bacurau.
Vagas lembranças da passagem das boiadas. Ainda posso ouvir os assovios e os berrantes dos peões. - É claro que "boiada" é um exagero. Apenas pouco mais de uma centena de cabeças. Boiada mesmo é lá por Mato Grosso. Aquidauana, em Ecolândia e outras paragens.
Um som que não sai de meus tímpanos é a batida do machado de meu pai, abrindo clareiras na mata, para o plantio de milho, feijão, abóbora...
Ainda estão bem vivos na memória o cantar do carro de bois, os latidos de meus cães e a voz de minha mãe ralhando conosco diariamente, pois moleques na roça são verdadeiros mini-capetas. Aprontam de tudo e mais um pouco.
Muitas outras recordações já vão se apagando. É muito tempo. Já se perdeu o sabor da broa de milho. Nem me lembro mais da cor dos olhos da Maria de Fátima.
Mas nada consegue arrancar de minha alma esse cheiro de fogão a lenha e dos biscoitos de polvilho de araruta.
12/12/12
Autor: Paulo de Souza Xavier
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