sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Os longos cochilos do senhor Jaime do Patrocínio

Obs.- Conto interligado. Para entender melhor, leia o imediatamente anterior

O senhor Jaime do Patrocínio, um negro muito velho, de quem ninguém sabia a idade, gastava as horas de seus últimos dias na agradável ocupação de dormitar em uma cadeira de balanço, na varanda de um casarão antigo na praça São Miguel, bem no centro de Rio Garça.

O senhor Jaime recebeu a casa de herança do capitão Macário Peixoto Sena, um senhor paralítico, herói de guerra, que não tinha nenhum parente vivo. O senhor Jaime trabalhou para o capitão por toda a vida, primeiro como criado, e depois como cuidador.

Quando seu estado de saúde se agravou irremediavelmente, o capitão fez questão de deixar para o senhor Jaime, em testamento, o casarão e os recursos pecuniários que lhe restaram, após muitos anos de sofrimento.

O senhor Jaime, então, trouxe para morar com ele uma neta viúva, sem filhos, e uma bisneta órfã e meio leve da cabeça. As duas davam conta das tarefas da casa e cuidavam do senhor Jaime, cuja única enfermidade era a velhice.

Atualmente o velho Jaime cochilava quase o dia todo na mesma cadeira de balanço onde o capitão Macário tomava sol.

O velho recebeu muitas propostas de compra do casarão, mas sempre recusou. Dizia que quando morresse, as meninas que fizessem como melhor lhes aprouvessem.

E não havia em Rio Garça e cercanias quem não conhecesse o senhor Jaime do Patrocínio e sua história com o capitão. Ele era tido como um grande exemplo de dedicação e lealdade.

Todos que passavam em frente cumprimentavam o velho, e às vezes ele resmungava uma resposta. Em outras oportunidades, bem mais desperto, respondia sorridente a todo mundo, enquanto lia o jornal, pois era alfabetizado, coisa de que tinha o maior orgulho, e era muito grato ao capitão. E nem usava óculos, apesar da idade avançada.

E no dia de sua morte, descobriram que não só sua visão era muito boa, como provavelmente também a audição. Mais ainda: seus longos cochilos eram bem enganadores. 

Sua neta o encontrou morto na cadeira, quando veio trazer um café, por volta das três da tarde. No colo, sobre o jornal, um toco de lápis, e um pedaço de papel onde estava escrito: "Muita gente só continua viva porque o Joãozinho da Alva pagou o pato sozinho".

21/12/12

Autor: Paulo de Souza Xavier

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