sábado, 26 de outubro de 2013

Os ressentimentos não são lavados pela chuva

Tobias Macário chorava lágrimas escaldantes, que desciam pelo seu rosto de menino, misturadas aos pingos de chuva. Estava escondido entre as bananeiras, nos fundos da casa de um pequeno sítio, distante uns 16 quilômetros de Rio Garça. Era uma tardinha de 1950.

Não era a primeira vez que Tobias teria que dormir no mato. Desde que sua mãe viúva se amigara pela segunda vez, seu calvário tinha começado. 

Tobias havia nascido da união de sua mãe, uma ruiva sardenta de origem irlandesa, com o negro Macário dos Anjos. Sua mãe teve que fugir e se amigar, pois os pais dela não permitiram o casamento de jeito nenhum. E o casal viveu feliz, até que Macário morreu da picada de uma Surucucu. Deixou Tobias com seis anos, e a mãe na maior dificuldade, já que sua família preconceituosa não queria sequer vê-la. Muito menos queriam saber de Tobias, mulatinho café com leite.

Diante da penúria, Loriane - esse era o nome da mãe - aceitou o assédio de Cesário Balduíno, também ruivo, grosseiro, beberrão e mau. Foi aí que o inferno se estabeleceu na vida de Tobias. Espancado por qualquer motivo ou por nada, tinha que fugir e se enfurnar no mato. A mãe, se tentava defendê-lo, ficava com o resto da fúria de Cesário.

Essa situação permaneceu por um bom tempo, até que uma senhora, Matilde Vargas, também viúva, e dona de um sítio vizinho, sabedora da situação, e conhecendo bem a peste que era Cesário Balduíno, pediu a Loriane que deixasse o garoto com ela. Prometeu cuidar bem dele e colocá-lo para estudar. 

Loriane ficou feliz com a proposta. Cesário não fez a menor objeção. Tobias, muito menos.

O tempo passou. 

Tobias, bonito e inteligente, havia conquistado o amor maternal de dona Matilde. Estudou, até concluir o curso ginasial, o que para um mulatinho, naquela época, era uma grande coisa.

Quando contava 18 anos, soube da morte da mãe. Não foi ao enterro. Sempre soubera como Cesário havia continuado a maltratá-la, e não quis se encontrar com ele. Visitou o túmulo depois.

Não quis reivindicar o pequeno sítio de seu pai. Deixou Cesário lá.

Aos 25 anos, perdeu sua segunda mãe, que não tendo herdeiros, deixou o sítio para ele.

Aos 27, Tobias ainda não havia se interessado por casamento, mas gostava de caçar, como o pai.

Cesário Balduíno, após a morte da mãe de Tobias, havia arranjado logo outra companheira, com quem tinha um filho de cinco anos, e dizia-se que gostava muito de bater no garoto.

Certo dia, por volta das 4 da tarde, Cesário seguia a cavalo, quando avistou Tobias perto da estradinha. O mulato estava numa cachoeira do regato que ficava no limite das duas propriedades, limpando uma lebre.

Cesário se aproximou, desmontou, e olhando a pele do coelho, que estava sobre uma laje, exclamou: - mulatinho burro! Estragou o corto.

Tobias continuou limpando o coelho. 

Cesário tornou a rosnar: - você já está barbado velho. Precisa começar a fazer as coisas direito.

E dizendo isso, deu com o rebenque nas costas de Tobias. O mulato apenas contraiu os músculos, e respondeu com a voz mais tranquila deste mundo: - sabe que o senhor tem razão?

E dizendo isso, Tobias virou-se de repente e cravou a faca de caça na garganta de Cesário Balduíno.

Autor: Paulo de Souza Xavier - Bom Jesus do Norte, 24/1/2013

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