sábado, 26 de outubro de 2013

Olegário dos Prazeres e a mão do negro

Tutuca Balbino, rapazola de 14 anos, caminhava por uma estradinha de terra no sítio do Manoel Mutum, com uma arapuca na mão, à caça de juritis. Ia assoviando despreocupado, quando desviou o olhar para a base do barranco, à direita, e sua espinha gelou. Perto de um tronco caído, sendo comida por formigas vermelhas, uma mão humana. 

Embora estivesse se cagando de medo, Tutuca teve a frieza e a presença de espírito de cobrir a coisa com a arapuca, e depois procurou uma pedra; e ao encontrar uma de uns 4 quilos, colocou sobre a arapuca. Feito isso, disparou como se perseguido por todos os diabos em direção à sede do sítio. Chegou lá chamando o Manoel Mutum aos berros.

Mais tarde, Manoel explicava ao detetive Olegário dos Prazeres que não tinha a menor ideia de como aquilo poderia ter ido parar ali na sua propriedade.

O que se ficou sabendo de início, é que se tratava da mão esquerda de um homem negro, e casado. Havia uma aliança de ouro no dedo anular.

Demais detalhes, havia sangue respingado no tronco caído, perto do qual a mão tinha sido encontrada. Mais abaixo, no pasto, um bornal rasgado, sem a alça, com restos de penas de pássaros. 

A mão não estava ali há muitos dias, pois se encontrava em razoável estado de conservação, apesar de bem roída pelas formigas no local do corte, e já estivesse fedendo bastante. 

Devidamente ensacolado, o objeto sinistro foi levado para a delegacia, e imediatamente enviado à perícia.

Mais tarde, quando Olegário dos Prazeres relia os depoimentos, chegou o detetive Lino Frotta, um novato, com novidades.

Na aliança encontrada, como de costume, estava gravado o nome da esposa: Maria Santa da Silva Paixão.

Olegário se levantou no ato e mandou chamar os praças Carmona e Oliveto. Ordenou que pegassem o jipe, pois os três iriam sair em diligência. 

Maria Santa era esposa de Altamiro da Paixão de Cristo, que possuía modestos dois alqueires de terra, 10 quilômetros rio acima. Vivia da agricultura de subsistência e caçava frequentemente.

Havia chovido bastante alguns dias antes, e a estradinha de terra estava um lamaçal só. Mas, como costumava dizer Olegário, o jipe era o jegue dos automóveis, e chegava a qualquer lugar.

Ao chegarem no pequeno sítio, depois de superarem uma meia dúzia de atoleiros, foram recebidos por Maria Santa e uns 10 vira-latas. Perguntaram por Altamiro, e a mulher os conduziu ao interior da casinha simples, onde na sala estava sentado num banco de bambu trançado, Altamiro da Paixão de Cristo.

O negro franzino tinha o braço esquerdo enfaixado, apoiado numa tipoia. Faltava a mão, amputada acima do pulso.

O detetive esclareceu a Altamiro que provavelmente havia encontrado sua mão. Perguntou em que tipo de encrenca o caçador tinha se metido. 

E Altamiro contou: dois dias antes, voltava de uma caçada na Serra Alegre, em que só conseguira abater dois inhambus, que trazia no bornal. Quando passava pelo sítio do Manoel Mutum, resolveu cutucar um buraco de tatu no barranco da estrada. Foi uma atitude idiota, para um caçador experimentado como ele. E não deu outra, foi picado na mão por uma Urutu Cruzeiro, que tinha se apropriado do buraco.

Apavorado, sabendo ser mortal a picada da cobra, deitou fora o bornal com os inhambus, após arrancar a cordinha da alça. Em seguida, puxou o facão afiadíssimo, e usando o tronco caído como cepo, amputou a mão. Amarrou a corda no braço, o mais apertado que pôde. Achava que só não desmaiara pelo agito do sangue. 

Feito isso, saltou sobre o cavalo, e sem pensar, tocou para casa a galope.

Chegando lá, meio grogue, foi socorrido pela esposa, que o fez engolir boa talagada de cachaça. A seguir, como se possuído por um espírito indomável, cauterizou o ferimento, metendo o toco do braço nas chamas do fogão a lenha. Só aí ele desmaiou.

Olegário e os soldados ouviram a história em silêncio, de olhos fixos em Altamiro. Ao final, o detetive comentou que coragem o negro tinha de sobra. Não queria nem pensar se Altamiro resolvesse decapitar alguém. 

O detetive então pediu aos praças para ajudarem Altamiro a embarcar no jipe. Ele estava sendo tratado com remédios caseiros, e se queixava de dor e um pouco de febre. Devia ir para o hospital.

Ao saírem, Maria Santa perguntou a Olegário se poderiam pegar de volta a mão e a aliança. Ele esboçou um sorriso, e disse que depois de tudo esclarecido, não via por que não.

Quando embarcavam no jipe, o praça Carmona disse a Altamiro: - parece que o bicho que encontrou os seus inhambus tinha bom-gosto, e resolveu deixar sua mão por lá.

Altamiro da Paixão de Cristo não possuía só coragem e sangue frio. Tinha senso de humor também, e apesar da dor, soltou uma sonora gargalhada. 

Seguindo em direção a Rio Garça, Olegário dos Prazeres ia matutando: - puta merda! Quando a gente pensa que já viu de tudo nessa vida!...

Autor: Paulo de Souza Xavier - Bom Jesus do Norte, 6/1/2013 

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